A história
das pipas é recheada de mistérios, de lendas, símbolos e mitos, mas
principalmente de muita magia, beleza e encantamento. Tudo de ter começado
quando o homem primitivo se deu conta de sua limitação diante da capacidade
de voar dos pássaros. Essa frustração foi o mote para que ele desse asas a
sua imaginação.
O primeiro
vôo do homem está registrado na mitologia grega e conta que Ícaro e seu
pai, Dédalo, aprisionados no labirinto de Creta pelo rei Minos, tentaram
alcançar a liberdade voando. Construíram asas com cera e penas e
conse-guiram escapar. Apesar das recomendações do pai embevecido pela
possibilidade de dominar os ventos, Ícaro negligenciou a prudência e chegou
muito perto do Sol, que derreteu a cera das asas e precipitou-o ao mar
matando-o.
De qualquer forma o homem não parou por aí. Mesmo levando em conta o
estranho acidente da lenda de Ícaro, ele continuou a ousar, desafiando a
natureza com sua imaginação. As pipas nascem desta tentativa frustrada de
voar, quando o homem transferiu para um artefato de varetas, papel, cola e
linha sua vontade intrínseca de planar, de alçar vôo de terra firme.
Teorias,
lendas e suposições tendem a de-monstrar que o primeiro vôo de uma pipa
ocorreu em tempos e em várias civilizações diferentes, mas, com toda
certeza, a data aproximada gira em torno de 200 anos antes de Cristo. O
local: China.
No Egito hieróglifos antigos já contavam de objetos que voavam controlados
por fios. Os fenícios também conheciam seus segredos, assim como os
africanos, hindus e polinésios. Até o grande navegador Marco Polo (1254 -
1324) explorando-lhe as potencialidades, embora levado por motivos menos
lúdicos. Conta-se que, em suas andanças pela China, ao ver-se encurralado
por inimigos locais, fez voar uma pipa carregada de fogos de artifício
presos de cabeça para baixo, que explodiram no ar em direção à terra,
provocando o primeiro bombardeio aéreo da história da humanidade.
Nos países orientais foi e continua sendo grande a utilização de
pipas com motivos religiosos e místicos, como atrativo da felicidade, sorte,
nascimento, fertilidade e vitória. Exemplo disto são as pipas com pintura de
dragões, que atraem a prosperidade; com uma tartaruga (longa vida); coruja
(sabedoria) e assim por diante.
Outros símbolos afastam maus espíritos, trazem esperança , ajudam na pesca
abundante. As pinturas com grandes carpas coloridas representam e atraem o
desenvolvimento do filhos. Nesses aspectos mistico-religiosos, continua sendo
muito grande a utilização de pipas como oferenda aos deuses nos países
orientais.
Um dos quatro elementos fundamentais da civilização ocidental, o vento no
caso das pipas, passou rapidamente de inimigo a aliado, pois com o domínio
correto de suas correntes e velocidades, o homem conseguiu inteligentemente
chegar perto do sonho de voar. O grande mestre e pesquisador de pipas e ação
dos ventos é um eolista, palavra criada a partir de Éolo, o deus dos ventos
na mitologia grega. Quando Ulisses, famoso personagem do livro Odisséia, de
Homero, chegou à ilha Eólia, foi muito bem recebido pelo rei, que o hospedou
e a seus companheiros durante um mês.
Ao partir, o herói recebeu uma caixa contendo todos os ventos e que deveriam
continuar aprisionados, com exceção de um, que, solto, levaria o navio
diretamente de volta a Ítaca, sua cidade natal. No caminho os companheiros de
Ulisses imprudentemente abriram a tampa, pensando que continha vinho. Saíram
de dentro da caixa os ventos proibidos e furiosos que tocaram o navio para
trás. Éolo entendendo que aquela gente teria alguma oculta maldição dos deuses,
não os ajudou e ainda por cima os expulsou da Eólia.
A histórias das pipas data de muitos séculos e se confunde com a própria
história da civilização, sendo utilizada como brinquedo, instrumento de
defesa, arma, objeto artístico e de ornamentação. Conhecido como quadrado,
pipa, papagaio, pandorga, barrilete ou outro nome dependendo da região ou
país, ela é um velho conhecido de brincadeiras infantis. Todos nós, com maior
ou menor sucesso, já tentamos empinar um. E temos obrigação de preservar sua
beleza e simbologia, pois uma infância sem pipa certamente não é uma infância
feliz. As pipas adornam, disputam espaço, fazem acrobacias, mapeiam os céus.
São a extensão natural da mão, querendo tocar nas ilusões.
Ciência,
Descobertas e Pesquisas
Além do aspecto puramente lúdico, de lazer e encantamento diante das
possibilidades de fazer com que os ventos trabalhem a nosso favor, as pipas,
ao longo da história, tiveram uma importância fundamental nas pesquisas e
descobertas científicas.
O inglês Roger Bacon, no ano de 1250, escreveu um longo estudo sobre as asas
acionadas por pedais, tendo como base experiências realizadas com pipas. O
gênio italiano Leonardo Da Vinci, em 1496, fez projetos teóricos com nada
menos que 150 máquinas voadoras, também baseados na potencialidade das
pipas.
No século 18, época das grandes descobertas, o brasileiro Bartolomeu de
Gusmão mostrou os projetos de sua aeronave Passarola ao rei de Portugal,
graças a estudos conseguidos através das pipas.
Em 1749, na
Grã Bretanha, Alexandre Wilson empinou um série de seis pipas presas em uma
mesma linha (trem), cada qual carregando um termômetro, conseguindo
determinar as variações de temperatura, em função das diferentes altitudes.
Em 1752 uma experiência de Benjamim Franklin demonstrou definitivamente a
impor-tância das pipas na história da Ciência. Prendendo uma chave ao fio
da pipa, ele empi-nou num dia de tempestade. Acontece que a eletricidade das
nuvens foi captada pela chave e pelo fio molhado, descobrindo assim o
para-raio.
Em 1752
uma experiência de Benjamim Franklin demonstrou definitivamente a
importância das pipas na história da Ciência. Prendendo uma chave ao fio
da pipa, ele empinou num dia de tempestade. Acontece que a eletricidade
das nuvens foi captada pela chave e pelo fio molhado, descobrindo assim o
para-raio.
George Cayley, em 1809, realizou, através das pipas, o primeiro pouso
acontecido na História, experiência com fundamentos aeronáuticos que mais
tarde seria utilizado pela NASA através do engenheiro americano Francis
M. Rogallo com as naves Apolo, que criou assim os pára-quedas
ascensionais (parawings), que permitem ainda hoje um perfeito controle ao
retorno à terra das cápsulas espaciais.
Foi através das pipas que o grande Santos Dumont conseguiu voar no famoso
14 Bis que, no final das contas não deixa de ser uma sofisticada pipa com
motor.
Em 1894,
B.F.S. Baden Pawell o irmão mais novo de Baden Pawell, o fundador do
escotismo, elevou-se três metros do chão por um trem de quarto pipas
hexagonais com 11 metros de envergadura cada, tornando-se o primeiro homem
erguido do chão com auxílio de pipas, fato que mais tarde seria repetido em
escala militar por exército durante a 1a Grande Guerra Mundial.
Em 12 de dezembro de
1921, Marconi utilizou pipas para fazer experiências com a transmissão de
radio, teste que, mais tarde, seriam utilizados por Graham Bell em seu
invento, o telefone.
Mais recentemente, durante a II Guerra Mundial, uma pipa em forma de águia
seria empregada pelos alemães para observar a movimentação das tropas aliadas
ou como alvo móvel para exercícios de tiros.
Os exemplos se multiplicam. Nós brasileiros conhecemos as pipas através dos
colonizadores portugueses por volta de 1596 que, por sua vez, as conheceram
através de suas viagens ao Oriente. Um fato pouco conhecido de nossa História
deu-se no Quilombo dos Palmares, quando sentinelas avançadas anunciavam por
meio de pipas quando algum perigo se aproximava - mais uma prova de que a
pipa era conhecida na África há muito mais tempo, pois os negros já
cultuavam-na como oferenda aos deuses. A exemplo do Éolo da mitologia grega,
os negros também tinham o seu deus dos ventos e das tempestades,
personificado na figura de Iansã.
Através desses fatos temos uma gama muito grande de utilização das pipas
através dos tempos. Elas simbolizam o poder espiritual dos homens, um grande
instrumento na busca de novas descobertas e objeto capaz de tornar realidade
o antigo desejo de voar, o sonho de Ícaro e de toda humanidade.